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28 junho 2008

o fascismo cristianizador dos ouvidos famintos

o fascismo cristianizador dos ouvidos famintos





magine-se numa cidadezinha onde vigorasse uma imposição já "natural" em que todos os dias, às 18:00 horas, houvesse um ressoar de sinos e imediatamente vociferassem rajadas de metralhadora com eixo giratório em 360º, com duração de 45 minutos, pouco mais pouco menos.
o alcance linear mínimo dos projéteis ficasse em torno de 1 km e a faixa de risco fosse de 1 metro para cima do nível do solo.
os habitantes que não quisessem ser alvejados pelas "balas" deveriam ou mudar-se, o que seria bem sensato, ou acalentar-se deitando no chão ou ainda, agachar-se (hábito, aliás, muito comum entre aqueles habitantes) abaixo da dita linha de risco estipulada em 1 metro.


pois uma cidadezinha como essa existe!


chama-se Guimarânia e fica na região do Alto Paranaíba, em Minas Gerais (localização: -18.844432, -46.7932868 ou 18°50'39.9552''S 46°47'35.8325''W).

contudo, há uma pequena diferença no tipo de arma usada: em lugar da hipotética metralhadora giratória há auto-falantes instalados na torre da matriz da Igreja Católica, bradando aos quatro ventos todos os dias do ano, sem tirar nem pôr. vendem-se ressoadas de sinos e terços às 18:00 horas de todas as feiras e parte das missas dos sábados e domingos; a destes últimos, é normalmente rezada com transmissão em um volume maior do que o dos dias da semana, e com início variando, dependendo da ocasião, entre 6:00 e 9:00 horas da manhã.


Foto original por tarciso pode ser encontrada aqui
acresce-se aí também, os dias especiais ou sagrados para a Igreja, como Missa do Galo na noite de Natal e festas aos santos São Sebastião (padroeiro católico para os seus fiéis), aos juninos e à Vossa Senhora do Rosário.


aqueles que não quiserem ouvir as ladainhas, os hinos em latim e as músicas do Padre Zezinho etc, ou por não quererem, ou por sentirem que lhe ferem seu direito ao silêncio devem fazer como na hipótética cidadezinha da metralhadora giratória, devem contentar-se com um tapa ouvidos, mudar-se, escafeder-se etc... ajoelhar-se, no caso da metralhadora, corresponde a aceitar calado essa imposição.


numa sociedade em que alardeiam vivermos numa democracia, a dita Guimarânia está no rastro de uma imposição arbitrária própria de regimes autoritários e fascistas. tais práticas são o equivalente a toques de recolher, revistas e prisões dos dissidentes do regime. nos cinco anos finais da ditadura militar (1964 a 1984), a banda marcial da polícia do Estado se apresentava um domingo por mês, à frente da Matriz, executando músicas cívicas e também religiosas católicas!
não ser católico nessa cidade é ser anti-social.
o diferente é punido com sua não-integração social nas rodas "intelectualizadas" e tradicionais da mineiridade transformada com a chegada de novas percepções sobre a realidade, sobre a cultura e sobre as coisas como um todo, sobretudo pela introdução de novas tecnologias e saberes correlatos, resultando daí em sistemas culturais enfraquecidos pela desestruturação de "laços familiares tradicionais". a chamada "desterritorialização" dos costumes e rituais em memória de tempos passados.


até mesmo em culturas europocêntricas como a estabelecida aqui no País (desde a Grécia antiga, "berço" intelectual da elite que domina o Brasil desde 1500), para ser coerente com os ideais inspiradores, as escolhas individuais deveriam caber a cada um em consonância com um coletivo; e democrático seria não submeter outros "dissidentes" às "escolhas" de uma minoria dominante.
pode-se argumentar, contudo, que o ideal seria acatar uma decisão da maioria, submetendo-se aqueles que pensam diferente. ora, o ideal de democracia não passa por esses vieses de cunho pessoal, diz mais respeito a políticas públicas que envolvem todos os cidadãos. a crença é algo individual, mesmo levando em conta o caráter alienante que as religiões empregam em suas ceitas. no caso de um suposto referendo sobre a transmissão de atividades de determinada ceita via alto-falantes para toda a cidade, mesmo que uma maioria decidisse que isso não incomoda, ainda assim, seria um desrespeito a quem discordasse, seja lá qual o motivo o impulsiona a tal (partilhar de outra crença, não partilhar de nenhuma crendice metafísica, não querer ser incomodado com um som causado por outro etc).
democrático e justo talvez fosse o caso de uma distribuição via rádiodifusão. quem partilhar ou quiser tomar ouvidos das coisas que lhe interessam, liga o rádio, se o tiver.


o que é intrigante é como o poder está embutido nas ações de esferas sujbacentes a um sistema com raízes em tempos coloniais: se algum "delinqüente" liga o som de seu veículo estacionado na praça central da cidade, a algumas dezenas de metros da Matriz, a força policial é sempre acionada para impedi-lo de atrapalhar as atividades sagradas desse templo. isso acontece por motivos de "desrespeito", como dizem os policiais, embora esteja mais para "eliminação da concorrência". decerto, a Igreja já entendeu que seus futuros clientes preferem música, balada, bebidas e "pegação" a missas repetitivas e enfadonhas. não é à toa que muitos dos jovens "católicos praticantes" da Cidade tomem sua presença em missas como uma obrigação, dizendo às vezes: "(...) ainda bem que fui na missa ontem, hoje não preciso ir.";


ora, não há diferença, do ponto de vista filosófico, nesses dois tipos de difusão, apenas social como conteúdo e técnico como meio empregado.
nesse caso, a força policial não consegue legitimar o direito de pessoas que decidiram não querer ouvir os sons da Matriz, porém age com força e autoridade sobre outros emissores de ruídos que não sejam para fins de catequização evangelizadora católica; especificamente católica, pois nos anos 1996 uma filial evangélica de tal tentou fazer concorrência, no lado oposto à Matriz, expondo suas orações e cânticos também através de uma caixa de som amplificado; no entanto foi ridicularizada por pessoas populares manifestamente católicas, impondo-lhes a polícia do Estado a calar-lhes.


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Um comentário:

Anônimo disse...

Ridiculo esse seu texto

nômade, de qualquer jeito e em qualquer tempo...

nômade, de qualquer jeito e em qualquer tempo...
"...eu sou assim, quem quiser gostar de mim, eu sou assim, meu mundo é hoje, não existe amanhã pra mim, eu sou assim, assim morrerei um dia, não levarei arrependimentos nem o peso da hipocrisia..." Paulinho da Viola