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04 julho 2007

02 de julho de 2007 - Entrevista concedida a Manoel Ramos, aluno do 4o ano de graduação do curso de Licenciatura Plena em História pela Universidade Federal de Mato Grosso - Campus de Rondonópolis - UFMT-R, para completar seus estudos monográficos sobre a "Participação de alunos de História da UFMT-R nas pesquisas da Missão Franco-brasileira".
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Nota: Esta entrevista foi concedida via eletrôncica por meio de documento digital com as questões previamente formuladas pelo entrevistador e posteriormente encaminhada ao endereço eletrônico de sua orientadora, professora Dra. Maria Elsa Markus.
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QUESTIONÁRIO (Estudantes)


1 - Qual foi o motivo principal que levou você a participar dos estudos arqueológicos junto à missão franco-brasileira?

João Henrique:
Em qualquer de minhas respostas queira considerar o fator ex post facto, porque já passados cinco anos e isso, seguramente, mudou minha própria percepção do passado; entretanto, creio que algumas coisas persistiram em minhas memórias. Primeiramente, pelo fato de já me ser frutuosa a idéia de buscar antigas ocupações na região onde cresci, em Minas Gerais, por conta de achados fortuitos de material arqueológico (majoritariamente urnas funerárias e lâminas de machado polido – “pedras-de-raio”) pelos tratoristas vizinhos de meu pai; já com doze para treze anos organizava equipes de “descobridores” na escola para percorrer as encostas da Serra Negra em busca de cavernas e abrigos sabidamente ocupados por “antigos índios”, segundo informações de moradores e sitiantes. Nessa mesma época pude vasculhar uma área do período escravista nas proximidades de Guimarânia, para entender melhor a história da cidade a respeito da escravidão e me deparei com cercas de pedra construídas por trabalhadores negros escravizados e que possuem dezenas de quilômetros e que ainda hoje continuam sem estudo. Aquilo para mim era fascinante... De certo modo, isto também foi o que me levou a entrar na universidade para cursar História. Já no primeiro ano tomei conhecimento das pesquisas na Cidade de Pedra, mas a falta de informações, ao que parecia, proposital, deixava qualquer pessoa sem nenhuma possibilidade de participação. O fato de me interessar desde cedo por arqueologia e por ter ali bem próximo pesquisas em andamento, me levou a fazer várias críticas a respeito da não-participação da UFMT, já que se tratava de patrimônio cultural da humanidade... Creio que minha maior motivação tenha sido a de romper com a postura submissa e indiferente de nossa Instituição diante das possibilidades de participação nas investigações do passado dessa região, ainda mais por se tratar de uma Instituição que abriga dois departamentos de História.

2-Qual foi o ano da sua primeira participação?

JH:
2001

3- Como você foi escolhido para participar? Houve alguma seleção? Se houve, de que maneira ela foi feita? Qual sua opinião, caso tenha participado de um processo seletivo para tal, sobre o mesmo?

JH:
O professor Adilson do departamento de História organizou uma seleção baseada no desempenho (currículo/notas) dos interessados; alcancei a média requerida (maiores notas) juntamente com outras duas pessoas;
Creio que o melhor caminho talvez não seja o do critério das médias de notas, a julgar pelos vários problemas que envolvem tanto as avaliações (de cunho majoritariamente subjetivo) como seu feitio (terceirização de trabalhos, colas, etc). Ao que me parece, o que está em jogo neste tipo de seleção não é exatamente o interesse do candidato e sim um critério excludente baseado no “mérito” das maiores notas. O Brasil vem sofrendo com essa cultura de mérito desde a ocupação agressiva e impositiva pelos europeus, tanto na fase inicial da colonização (genocídios religioso e estatal) quanto nessa última fase, já mais político-ideológica e baseada na submissão tecno-industrial por países imperialistas, seja econômico-militar quanto culturalmente. Um caminho viável a complementar ou mesmo substituir o critério das notas talvez seja o de, já no primeiro ano, anunciar no programa do curso essa possibilidade e de antemão já deixar claro quais serão os meios empregados para a dita seleção (de certo modo, isso se torna um agregador de incentivos à formação científica e ao desempenho dentro da sala de aula); entrevistas com os candidatos talvez recolham melhores dados para um resultado mais satisfatório não só para o próprio participante, mas também para a Universidade.

4-Você participou mais de uma vez? Por que?

JH:
Sim, duas campanhas, como são chamadas as etapas do “Projeto Paleoambiente do Mato Grosso”.
Como se trata de um sítio-escola, o refinamento das técnicas e métodos da arqueologia e também a compreensão das teorias correlatas são mais bem assimilados com etapas seguintes de maior entrosamento como membro com efetivo interesse e não mero “espectador” – pelo próprio caráter “alienígena” dos membros locais, como é, geralmente, no caso da primeira campanha.

5- Quais eram as expectativas quando você participou pela primeira vez?

JH:
Seguramente maiores do que as vivenciadas, porque tudo muito novo; de certo modo esvaziadas, a começar pelo tratamento despendido com os “nativos”, “aborígines”, como éramos tratados pelos estudantes da USP em suas brincadeiras preconceituosas e propositais na reafirmação de suas supostas superioridades intelectuais e culturais.
O fato de entrar em contato com algo novo e que me era parcialmente desconhecido – não tivemos acesso prévio a informações das atividades desenvolvidas na campanha – creio que podem ter reduzido a quantidade de informações que poderíamos obter; penso que o diferencial básico entre os estudantes locais e aqueles vindos de outros centros de estudo é que eles já vêm familiarizados com a arqueologia, seja em disciplinas ou em laboratórios de estágio.

6 - Suas expectativas foram atendidas? De que maneira?

JH:
No geral, creio que foram suficientes para dimensionar projeções futuras de estudo de pós-graduação e um contato de fato com tratamentos científicos na História.

7- Seu interesse pela pesquisa aumentou ou diminuiu a partir de então? Por que?

JH:
Penso ter aumentado, porque mais palpável como fonte, como estudo e como campo. A atuação dos historiadores parece ser comprometida pela percepção de “virtualidade” que temos quando nos deparamos com linhas clássicas que trabalham com fontes autoritárias, como é o caso das documentações oficiais e mais recentemente com as fontes orais, subjetivas também, no mínimo, duplamente. Não que a arqueologia não o tenha também, mas nela tem-se a oportunidade de lidar com a informação em condição secundária, posto que foi perdida sua condição de origem. A maioria dos teóricos incorre num durativo descuido ao categorizar as fontes na História. Não oriento minha percepção em graus valorativos, mas suponho uma classificação diferente da usual e clássica, em que pese a rasura do resumo que faço adiante:
1 - Fonte primária – de certo, mais como sentido de origem, sobretudo as transformações do meio pela ação dos sujeitos, ou seja, a realidade material no ato de sua construção;
2 – Fonte secundária – os vestígios materiais resultantes dessa transformação/construção;
3 – Fonte terciária – interpretação contemporânea ou ex post facto dessa realidade;
4 – Fonte quaternária – resultado de investigações sobre as fontes secundárias e terciárias, para entendimento das origens (realidade do período em questão) resultantes dos dados analisados.

8- Quais foram as suas experiências nessa participação junto à missão franco-brasileira?

JH:
Para além dos contatos com membros da equipe e as relações de improviso e resistência às já mencionadas discriminações – o que também serviram para nosso aprimoramento como protocientistas, a oportunidade de aprender um pouco mais sobre o passado daquela região tem vindo à memória como ponto importante. Listaria experiências de forma mais subjetiva, como o melhor entendimento dos rumos da construção da História conhecimento e a abertura a novas interpretações da realidade, dadas as possibilidades de uso de fontes materiais tidas pelos historiadores como “auxiliares”. A lida diária com os professores envolvidos e sua abertura singular para diálogos até mesmo questionadores dos modelos explicativos utilizados, serviram de base para desmistificar um pouco a idéia preconcebida que se tem de cientistas do tipo.

9 – E, para a sua formação no Curso de Graduação de Licenciatura Plena em História, participar dos trabalhos da missão franco-brasileira trouxe alguma contribuição importante?Quais?

JH:
Creio já ter respondido ao longo das questões anteriores, mas acrescentaria o fato de poder apreciar as estruturas dos discursos científicos frente a questões de ordem mais imediatas e contemporâneas, de cunho mais político-ideológico, eu classificaria; como por exemplo, a postura dos cientistas ligados a projetos dessa natureza acerca de problemas ambientais envolvendo a área de pesquisa, como também a “vista grossa” que eles têm feito acerca do uso da arqueologia e da “ecologia” por parte dos “proprietários” para legitimarem práticas lucrativas e excludentes a partir de patrimônio público. Ou não percebem – o que soa muito estranho, ou optam por não “comprometerem” as pesquisas subseqüentes com posicionamentos públicos que exponham tais problemas.

10 – Você apresentou o resultado do trabalho que você desenvolveu junto à Missão, em algum lugar? De que forma você apresentou esses resultados: Palestra? Seminário? Mini-curso?Mesa-Redonda?Monografia?Seu estudo foi publicado? Outros...

JH:
Sim, uma resumida conversa informal na sala de aula; para além disso, creio que não propriamente sobre os trabalhos que desenvolvemos na Missão, mas de certa forma as minhas experiências nas duas campanhas me possibilitaram um entendimento diferente do que é fazer ciência, pondo peso nos rumos da minha monografia de final de curso, apresentada à banca avaliadora em 2003. Depois dessa defesa, apresentei trabalhos relacionados à arqueologia e à história em palestras na UFMT, em eventos organizados pelos estudantes (DCE), sempre compartilhando minhas experiências na Missão.
Considerando como “tornar público”, a defesa e a disponibilização dos resultados da monografia na biblioteca do Campus a quem possa se interessar, creio que sim, dessa forma foi publicada.



11 -Algo a mais que você queira acrescentar? Por favor, queira fazê-lo aqui!

JH:
Em que pese os rumos que as interpretações destas respostas possam tomar, refaço as críticas subliminares no trato anterior, de modo que se tornem mais visíveis e menos propícias ao entendimento maléfico de atingidos por elas.
Segundo as informações dos próprios membros da Missão, o convite feito por eles a UFMT como instituição parceira no início das pesquisas, ainda nos anos 1980, não produziu os resultados esperados; essa abertura parece ter se dado, mesmo sem o apoio institucional formal da UFMT, só a partir de 2000, com a ida de pelo menos uma pessoa do curso de história. Nos anos seguintes a participação subiu para três estudantes locais, variando com a entrada de um ou outro de Cuiabá e parece vir se mantendo até os dias de hoje.
O que ocorre, na minha opinião, é que a UFMT/R, em especial o Departamento de História, não dedica peso à formação de grupos de pesquisa e nem cria oportunidades para a iniciação científica – o que garantiria de fato o ingresso de estudantes em programas de pós-graduação se configurando a partir daí, como uma Universidade de pesquisa séria. Ao que parece, para a maioria dos professores que poderia encaminhar projetos de iniciação científica, a arqueologia não passa de uma ciência “auxiliar”, reproduzindo dessa maneira um pensamento empobrecedor, ultrapassado e preconceituoso. No entanto, nem para as linhas da ciência histórica, consideradas por eles como “sérias”, também destinam tempo e preocupação (proposição de projetos de iniciação). Nem mesmo o argumento de que só tínhamos cursos de licenciatura justifica a indiferença e a submissão intelectual a que fomos submetidos durante todo esses anos; o uso indiscriminado de conhecimento reprodutivista colonialista alimenta essa concepção dependente periférica aliada à falta de pesquisa e vice-versa. A busca pela participação nos diversos projetos constantes no Estado deve ser empreendida de modo a garantir a superação dessa mentalidade colonizada e a organização de conhecimento independente e autônomo por parte dos estudantes interessados. A falta de incentivo é verificada na quantidade de candidatos com o intuito em participar, de fato, como pesquisadores; em muitos casos essa busca é orientada por curiosidade ou diversão, dada a “romantização” do grande arqueólogo “Indiana Jones”.
Por outro lado, a dedicação mais recente de professores interessados apresenta-se mais como ação contemplativa romântica e submissa do que como colaboração participativa, em que incorrem nos mesmos moldes daqueles mencionados anteriormente, não possibilitando nem efetuando uma postura presente de contribuição científica e muito menos de uma visão crítica, principalmente a respeito dos problemas que envolvem a região, tanto sócio/ambientais como de desrespeito à Constituição brasileira. Os administradores do parque, acionados como “proprietários” do patrimônio cultural dos povos, são vistos como colaboradores filantrópicos. Embora se intitulem protetores preocupados com o incentivo de pesquisas na região, não é tarefa fácil conseguir autorização para trabalhos de pesquisa, ficando estas subordinadas somente às etapas exclusivas da Missão. E é exatamente neste ponto que os passivos professores locais não se imiscuem, não forjam sua participação. A utilização daquela região como entendimento da história anterior às mudanças capitalistas não deve se resumir a trabalhos de arqueologia ou história, aliás, essa interpretação comparativa nem é cogitada (pré-capitalista X capitalista), mas deve ser estendida também a outras áreas do conhecimento, como a geografia, geologia, biologia, zoologia, etc. A participação da UFMT/R além de se mostrar parca ainda é majoritariamente exclusivista a estudantes de história; ao invés de solicitar mais vagas tem-se preferido privilegiar somente alunos dessa área. Nos demais casos que aparecem estudantes de outras áreas (biologia, por exemplo), a procura é fruto de empenho próprio do interessado - que não encontra essa “ponte” em seu departamento – que se desdobra para conseguir por seus próprios meios esse contato. - Fim -

E.d.: o questionário termina com o agradecimento do entrevistador: Obrigado! Manoel Ramos

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